LIVROS, IPHONE 4S, RELEVÂNCIA E PERCEPÇÃO DE INTEGRIDADE
- Nina Delecolle

- 3 de mar.
- 4 min de leitura
Em um artigo publicado recentemente pelo The Wall Street Journal, a jornalista Katie Deighton, escreve sobre como “a onipresença da tecnologia fez da leitura uma forma de sinalizar luxo”. Na matéria intitulada The Hottest Thing in Fashion Advertising? Books., se debruça sobre como a moda, há muito tempo parceira da arte e da música, flerta hoje com a literatura como sua nova musa fashion.
A matéria traz como exemplo um salão literário promovido pela marca J. Crew em parceria com o Buffy’s, um clube do livro idealizado por Lizzy Hadfield (influenciadora londrina com uma base de 573k seguidores no instagram e um canal com 173k inscritos no YouTube), num movimento que pode ser lido como a tentativa da parte de uma marca de moda - através da associação com a cultura literária, de pegar emprestado atributos de perenidade e relevância cultura.

Em tempos onde cada conteúdo é publicado, consumido e esquecido em matéria de segundos, a arte e a longevidade carregada pelos livros toca fundo nos anseios de posicionamento que demandam um esforço gigante quando se trata de um universo de comunicação de ritmo tão acelerado.
Maria Costa, diretora de marca da label M. M. LaFleur, responsável por ações do mesmo tipo, pontua no mesmo artigo que durante os encontros literários promovidos pela marca - que coloca autores e público em conversa durante os meetups promovidos, que “a conversa nesses encontros gira mais em torno da vida profissional dos escritores convidados e dos detalhes de seu processo do que da literatura que eles criam. A ideia não é colocar as autoras num pedestal, mas sim apresentá-las como mulheres trabalhadoras identificáveis e inspiradoras.”
Esse é o gancho que nos faz sair do universo de marcas empresariais e entrar no universo das marcas pessoais. Marcas de moda apresentam um movimento de associação à cultura literária, mas o contato entre os dois mundos são os autores. As pessoas por trás do fazer literário. O desejo que existe da parte do público, de aproximação.
Se existe um interesse real nos aspectos pessoais e humanos da vida do autor, ou se o desejo é por saber como o outro faz pra tentar descobrir qual é o hack que falta pra que a sua própria seja entendida como bem sucedida, a verdade é que não importa.
O comportamento de consumo de conteúdo é esse: se existe interesse no produto, existe interesse na pessoa por trás dele. Na vida que ela leva, no como faz o que faz. O alcance dos vídeos behind the scenes comprova com números.
Numa entrevista recente pro The Glossy Fashion Podcast, Edward Buchanan, primeiro diretor criativo da label Bottega Veneta e fundador da marca Sansovino 6, quando se referia ao comportamento de consumo que observa em si e nas pessoas do seu círculo, observa que enxerga um desejo maior de “se desfazer de coisas, do que de adquirir coisas novas”, quando perguntado sobre o declínio nos números de venda apresentados pelo mercado de luxo nos últimos semestres.
Linkando a percepção levantada por Buchanan e o movimento do mercado de moda que trás autores literários como ponto de interesse pra uma audiência mais ampla, pode-se entender que não se trata de não querer consumir, mas se trata sim de um consumo que passou a colocar - num movimento consolidado há tempos - a experiência do outro como um dos produtos a serem consumidos.
Não basta mais a leitura de um livro, existe agora também o desejo pela experiência de se sentir próximo da autora. Talvez por alguns momentos se imaginar vivendo a vida que ela leva, comparar essa vida com a nossa, talvez assim se sentir parte de uma comunidade com os mesmos anseios ou visão de mundo. Pode ser que na vida real se faça parte de uma comunidade como essa, ou pode ser que não, o que importa é que se sinta que faça. O que importa é que o contato com o universo da outra pessoa gere essa sensação. Algum anseio pessoal é atendido aí.
O mecanismo em si não é o vilão dessa história. Nenhuma ferramenta é boa ou ruim por natureza, é a intenção e integridade por trás do uso que faz com que ela seja uma coisa ou outra.
Abaixo de um post do perfil Culted que trata da tendência de publicação de imagens tiradas com smartphones antigos (e um resultado pixelado, de qualidade inferior àquelas que encontramos nos aparelhos que de forma geral usamos hoje, numa tentativa clara de um resultado entendido como mais autêntico ou mais próximo da realidade), um seguidor comenta, tentando explicar o porquê do apelo das imagens: “everything today feels like its contrived and done solely to get immediate reaction or results” (“tudo hoje parece inventado e feito apenas para obter reações ou resultados imediatos”). É uma percepção geral, a de que cada movimento feito, por marcas pessoais ou empresariais, é milimetricamente calculado com o objetivo único de alcançar likes e forjar alguma relevância momentânea.

Um dos exemplos encontrados no post é de Lyas, criador de conteúdo de moda francês cuja comunicação é, por muitos, lida como única e autêntica. Na seção de comentários muitos apontam que - no caso dele - não se trata de uma tendência passageira, mas de uma maneira genuína de se comunicar. A clareza quanto à marca pessoal tá aí - percebida, clara e expressa.
Se encontra aí a importância de que cada movimento escolhido faça de fato parte do universo da marca pessoal que abraça o comportamento. Só assim não deixa o gosto de uma ação artificial e maquinada.
Dentre tantas ressalvas válidas e bem fundamentadas quanto ao uso do mundo digital no qual estamos imersos hoje, um ponto positivo aqui. Espaço pra comunicação que tem uma razão de ser fundamentada na vida real.
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