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MARTINA HEUSER - Fusão de Posicionamentos, Recusa ao Automatismo, e a Complexidade Contemporânea do Branding

  • Foto do escritor: Nina Delecolle
    Nina Delecolle
  • 14 de abr.
  • 12 min de leitura


Audio cover
EM AÚDIO


Martina Heuser é co-fundadora da marca de moda Inhale e sócia da escola Mysore de Ashtanga Yoga, em Porto Alegre, onde também dá aulas.


Quando convidei Martina pra essa conversa, foi motivada pela curiosidade. Queria entender como ela mesma via o subtexto do que eu entendo como uma construção identitária (a dela) que sempre me pareceu profundamente intencional, mesmo quando envolta em leveza.


O percurso de Martina, assim como muitos dos nossos, constitui um mapa vivo de transições, em que cada escolha constrói uma coerência invisível. Conversamos sobre a recusa ao automatismo, o cultivo do repertório como ferramenta de construção individual e sobre expressão.

 

No campo da comunicação a conversa se transforma em um espelho que reflete a complexidade contemporânea do branding. Martina compartilha sua relação com a linguagem como quem coreografa presenças: ora no plano da marca Inhale, com suas premissas estéticas e editoriais claras, ora na esfera de sua expressão pessoal, onde humor, crítica e maturidade compõem uma narrativa orgânica e não-linear. 


A fusão produz um posicionamento que não se pauta pela performance ou pela métrica, mas pela coerência com os valores que sustentam a singularidade da(s) marca(s). A comunicação não se apresenta como vitrine, mas como extensão de uma visão — uma curadoria de mundo, ancorada no cuidado com o olhar, com o conteúdo e muitas vezes com o silêncio.


Pra quem for do áudio, 38 minutos dessa conversa (aqui em cima). Pra quem for do texto, uma transcrição abaixo num formato enxuto. 


Espero que gostem tanto quanto eu gostei - de conversar com e fotografar Martina.



NINA DELECOLLE: Obrigada por tirar um tempo de novo pra gente conversar. Eu tava vindo pra cá e eu tava pensando, a gente se conhece muito pouquinho, quase nada. E me gerou curiosidade de saber um pouco da tua trajetória até chegar até aqui.


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MARTINA HEUSER: É bem louco, tá? Bem louco. Porque assim que eu entrei na faculdade, eu fui fazer bioquímica. E foi uma escolha totalmente aleatória. E aí eu me lembro que eu tava entre odontologia, bioquímica e publicidade na época, nada a ver. E os meus meus pais são professores universitários. A minha mãe é bióloga, e ela dava aula de farmacologia, pro pessoal da bioquímica. E ela me falou sobre o curso e eu assim, nossa, que legal, acho que deve ser legal. E eu entrei. Só que eu tava me formando, faltava um ano pra eu me formar, e eu já tinha estagiado em vários lugares. Eu tinha estagiado em farmácia de manipulação, em laboratório de bioquímica. E eu me lembro que aquilo era uma coisa que eu disse assim, ai gente, mas é que se isso é a profissão, não tá legal. Não tinha nada assim que eu disse “nossa”, sabe. E a faculdade eu achava super legal, achava legal as aulas de química, era um pessoal muito legal, porque a maioria dos meus colegas era do interior, então era uma galera legal, uma turma bacana. Enfim, daí faltava um ano pra eu me formar e eu disse, gente, não é o que eu quero. Eu queria alguma coisa relacionada com moda, eu queria desenhar. Só que na época não existia faculdade aqui em Porto Alegre. Tinha em Caxias do Sul só. Eu não ia me mudar pra Caxias. E eu descobri que o SENAI tinha um curso, que não chega a ser um curso profissionalizante, um curso de dois anos, se eu não me engano. Que tu aprende a costurar em máquina industrial, tu aprende a fazer modelagem, que tinha um pouco de história da moda e desenho. Eu disse, vou entrar. E daí, eu fazia o curso de moda de manhã, o de farmácia de tarde. Porque meu pai falou assim, ó. Pelo menos, falta pouco pra te formar, pega esse diploma. 

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ND: O adulto ali, vamos ser eficientes, né. Pega o diploma. 


MH: E daí eu fiz, acabei me formando nos dois, e meio que ao mesmo tempo. Mas não fiz nada com bioquímica, nunca na vida. E aí, uma professora do SENAI, me indicou pra uma empresa que era tipo o WGSN, de Novo Hamburgo. Era uma empresa calçadista, de um cara que tinha muito dinheiro e investiu nisso. E aí eu entrei lá, meio que como estagiária, meio assistente. E junto com isso, eu pedi pra ser aceita num curso de pós-graduação em Caxias, de moda. E daí eu entrei, fiz esse curso. A pós-graduação era todas as sextas e sábados. Eu trabalhava em Novo Hamburgo, nesse estágio, pegava meu carro, subia até Caxias, fazia e voltava. E aí no fim, deu tudo certo, foi um ano e meio de curso. E eu fiquei durante muito tempo nessa empresa. Tinham viagens, eles me mandavam. Tinha cobertura de desfile, por exemplo. E aí, a gente nunca fazia Estados Unidos, mas a gente sempre fazia Londres, Paris e Milão. E aí eles me mandavam pra lá, sozinha.


ND: Que idade tu tinha? 


MH: Eu era bem nova, tinha 20, 21, 22. Era muito legal. E eu me lembro, não tinha negócio de celular, né? E aí o pai me dizia assim, “não, tu vai sair do metrô, e daí, não sei quantas quadras, pra direita, e aí tu chega no hotel.” A gente tinha um budget limitadíssimo, só que eu tava em Paris, com 20 anos. E eu ia pelo menos no inverno e no verão, nas duas temporadas, ia sozinha. Esse emprego durou uns 4, 5 anos, mais ou menos. Foi bem legal. Fiquei até virar meio que como uma coordenadora de pesquisa deles. E era só fazer pesquisa de moda mesmo. E aí, depois disso, eu fiquei um ano, mais ou menos, que eu fiquei de casa. Daí tinha uma revista que chamava Void, que era meio cool, daí eu ajudava a fazer conteúdo pra eles, todas as partes de conteúdo de moda, fazia com a Denise, que era uma guria que era jornalista, e trabalhei um pouco com produção de moda, que eu achei um horror. Era um horror, era a pior coisa do mundo. 


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ND: A dinâmica, a corrida, a bagunça?


MH: Eu achava um horror que tinha que pegar roupa emprestada, tudo ruim. Eu fiquei um ano. E daí, uma pessoa que me conhecia, que estava dentro da Renner, me disse, “Martina, tem uma vaga lá, eu acho que tu te encaixa. Eles queriam ter uma produtora de moda fixa dentro da Renner”, eles não tinham. Fui lá conhecer e aplicar pra vaga. Só que na minha entrevista estava a mulher que era do marketing, a Lu Franciscone, que ia me contratar, e também estava a gerente do estilo, que era a Gabi. E daí, ela disse assim, “não, eu quero essa guria pro estilo”. Daí eu entrei na Renner, e fui a primeira designer. Eles não tinham designer, porque antes eles tinham todo o processo, tanto pro estilo, quanto pra qualquer coisa, era através de um processo de trainee. Só que o processo de trainee, ele aceitava engenheiro, não sei o que, e daí, essa mulher falou, gente, se a gente quer ter um estilo na Renner, não é por um processo de trainee que a pessoa vai entrar, né? Aí eu fui gerente de estilo e o resto foi a história. Eu só fui indo, até eu virar gerente de estilo. Eu entrei no feminino adulto, depois fui pro jovem, pro infantil, comandei toda a equipe do infantil, que foi uma das melhores épocas da minha vida, e aí voltei pro feminino jovem. Nessa época eu fazia yoga, praticava. Mas depois que o Bento nasceu eu comecei a me dedicar muito pro yoga, e dentro da Renner, já ia fazer 10 anos, não fazia mais sentido aquilo pra mim. Era muita loucura. Eu amava, mas teve uma época do ano que eu fiz as contas, eu tinha ficado menos de um mês na minha casa, sabe?

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E daí, na época, eu me lembro que eu disse “ah, gente, eu acho que eu quero sair". E eu comecei a substituir a minha professora de yoga em umas aulas, achava bem legal. Eu tinha feito um pé de meia, o Rodrigo tava numa agência, que era uma agência super boa. Não, ele já tinha feito um movimento, ele tinha aberto o negócio dele, e aí eu disse, tá, Rodrigo, então qualquer coisa, agora é contigo. E aí eu decidi que eu ia sair. E pra mim era assim, não queria mais nada com moda. Fiquei um tempão sem entrar em shopping. Comecei a dar aula, dava umas aulas particulares, depois, substituí a minha professora, depois comecei a sublocar uma sala bem legal na Quintino, daí a guria que é minha sócia hoje, começou a dar umas aulas comigo, e aí lá, lá pelas tantas eu pensava, mas é que essas roupas de yoga são muito feias. Muito feias, não tem como. Daí eu comecei a desenhar. Eu achei uma mulher em Farroupilha que fazia roupa pra bailarina. Eu fui até lá, fiz as pilotos, ficou muito bom, muito bonito, e a Valentina, que era a minha sócia, que dava essas aulas comigo, um dia a gente foi num workshop de um professor de yoga, e aí, eu comentei com ela, e decidimos fazer juntas. E aí começou toda a história. A gente abriu essa marca, mas era totalmente informal. O que deu sorte, entre aspas, é que o marido da Valentina é fotógrafo, o Dudu Carneiro, então a gente conseguia fotos de graça. O Rodrigo fez toda a marca pra gente, que é o meu marido e tem estúdio de design, então foi meio que zero custo. Tanto é que a Inhale nasceu com oito mil reais de cada uma, até hoje, nenhuma de nós investiu mais nada, todo o dinheiro ele foi indo e indo, e hoje ele se sustenta sozinho.


ND: Quando tu fala informal, o que que quer dizer com isso, o que que tu entende por informal? 


MH: Era venda, assim, tipo, por WhatsApp, eu e a Valentina, e deu. 


ND: A rede eram os alunos de vocês, e as amigas.


MH: Como a gente ia muito pra Índia pra estudar, aí também tinha isso, a gente levava umas coisas e era muito sucesso. Tanto é que até hoje, a gente tem muitas clientes que são de fora, por causa dessas coisas. Eles amam a Brazilian Lycra, que eles chamam essa nossa malha. E aí depois a gente começou com o e-commerce, a gente abriu uma escola na Dinarte. Só que a gente começou a crescer, e tipo assim, no meu apartamento antigo, tinha uma parte que tinha o estoque. Só que se alguém viesse jantar lá em casa, eu e o Rodrigo pegávamos o estoque, levávamos tudo pro quarto, era uma vergonha, sabe? Daí a gente alugou a sala nova, que hoje já tá também pequena pro estoque do nosso tamanho. Mas tudo foi indo dessa forma.


ND: Então vocês estão com sete anos de estrada. 

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MH: Aham. 


ND: Tá, agora nós vamos entrar no nosso assunto. Primeiro, que a tua comunicação e a comunicação da Inhale são coisas completamente separadas, diferentes. Eu comecei a te acompanhar há um tempo atrás e existiu não só uma identificação, mas um fator de achar massa poder estar vendo recortes dessa vida - de uma comunicação adulta, que tem humor, que tem sátira, mas é da perspectiva de uma mulher adulta sobre o ano de 2025 e a vida que a gente leva. E por acaso, essa mulher tem, entre outras coisas, uma marca de moda que está presente nessa comunicação e existe uma venda direta através do teu canal de marca pessoal. De uma maneira que não me dá vontade de pular o story. Como é que tu entende, primeiro, a tua comunicação e como é que é pra ti fazer essa ligação entre esses dois papéis, entre esse lugar pessoa física e CNPJ. 


MH: Tem várias coisas que tu falou que são bem legais. Quando eu pensei em fazer a Inhale, eu pensei em fazer uma coisa totalmente pra mim. Pode ser uma egotrip, mas era totalmente pra mim. E não é que eu tenha a pachorra de ir contra a corrente, porque não é sobre onde a corrente tá indo. Não é sobre olhar pra corrente. Eu tenho muito claro que eu vendo, que eu sou muito a marca. Só que daí tem outra coisa que é o fato de que eu nunca tive nenhum tipo de estratégia de comunicação pra mim - Martina, pessoa física. Pessoa jurídica, claro, a gente monta várias estratégias. 


ND: Eu penso muito a respeito disso. Existe um equilíbrio que é individual mas que precisa ser encontrado, pelo menos com esse público com o qual eu trabalho. É e claro que se tu contrata alguém pra trabalhar tua marca pessoal contigo é porque tu tem objetivos claros, tu não vai botar dinheiro numa coisa sem querer tirar outra coisa do outro lado depois de algum tempo. Mas o que eu vejo por experiência é que, ok - vamos fazer uma coisa estratégica, individualizada, mas se a gente engessar isso, ou se a gente ficar olhando muito pra fora - o tesão vai embora.

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MH: É isso aí, é que senão vira tipo uma editoria. E pra mim, minha vida não é uma editoria. Isso que eu sou uma pessoa que tem uma rotina, eu sou bem metódica. Eu gosto dessas coisas, mas isso não é a minha profissão, isso é meu divertimento. E a gente trabalha isso muito claramente até dentro da nossa marca. 


ND: Eu acho muito legal enxergar de fora que vocês duas estão muito presentes, e vocês estão intimamente ligadas com aquela comunicação, mas a comunicação da Inhale anda sozinha, com as próprias pernas, e é uma coisa em paralelo.


MH: Pra mim, aquilo é pago. A gente paga por aquele serviço, e hoje a gente tem pessoas que eu confio muito, tipo a Jajá, fazendo o conteúdo. É uma mulher, que eu digo, tá, beleza, ela tem os mesmos valores, ela entende. A gente tem a Mari, que puxa mais pro marketing. Eu brinco que eu contratei a Mari pra ficar dizendo não pra ela. Os dont's, pra mim, é uma lista enorme de coisas. E aí também vem muito, acho que das escolas que eu tive, tanto estético quanto até de produto. Mas isso é filosofia, isso é princípio, tu ter um conjunto ali de premissas básicas. E acho assim, tem uma coisa que tu falou de adulto, que isso a gente sempre teve na nossa comunicação. Ontem a gente tava numa reunião de marca, eu disse que eu não era contra provador. Um dia caiu assim, aleatório nos meus stories um provador da Zara - que aí tu olha e diz  “cara, o dia que eu fizer um provador, eu não vou abrir o meu armário, o dia que eu for fazer um provador pra Inhale, eu vou fazer que nem eles fizeram". Tu tem um estúdio, tu tem uma luz boa, tu tem duas pessoas ali, elas tão focadas em mostrar o produto, 


ND: Sabe a Amy, a fundadora da Tibi? Primeiro que ela é uma mulher mais velha. E a maneira como ela tira o tempo dela pra educar sobre estilo, sobre tudo que tem por trás, não só da parte do business, mas vamos pegar essa peça de roupa aqui, ou essas cinco, e vamos falar sobre roupa e vamos falar sobre porque que o bolso é assim e vamos falar porque o caimento da calça é assado. 


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MH: Mas é que assim, Nina, tudo isso faz sentido quando tem conteúdo. Tem um cara que é um asiático, que eu não sei como é que é o nome dele, eu vou te mostrar. E esse cara, ele fala sobre o porquê da jaqueta de sarja, five pocket, fala da guerra. Eu me sentei quando eu assisti, eu peguei uma Coca-Cola, e me sentei pra  assistir. E é assim, ele na mesa dele, só que é tudo muito sério. Não, sério não é a palavra.


ND: É adulto. Eu não vou falar que não é entretenimento, porque quando tu diz, eu pego uma Coca-Cola e eu te assisto, pra mim tu tá sendo entretida. Eu também tô. Só que é um entretenimento que vai do conteúdo que foi acumulado ao longo de anos, de experiência, de mão na massa, de prática, de fazer a coisa. Então é um entretenimento baseado num conteúdo que tá sendo passado, e menos na pirotecnia da coisa. 


MH: Isso! Mas é totalmente, pra mim é totalmente isso. E hoje a gente tem, por exemplo, muito cuidado. Várias vezes, tem uma pessoa lá, com não sei quantos meus seguidores, que diz que tá indo viajar pra algum lugar e pergunta se a gente não quer enviar peças. Eu digo assim, agradece, mas não dá. Isso fere, me fere enviar pra essa pessoa. Não é uma soberba minha, sabe? Mas…


ND: Mas tu também tem plena consciência de que essa maneira como vocês entendem a comunicação da Inhale, e inclusive tua - a tua comunicação de marca pessoal, faz com que o crescimento, em termos de alcance numa plataforma tipo Instagram, potencialmente seja mais devagar. 

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MH: Com certeza! Tenho certeza absoluta disso. Absolutíssima! A gente teria que se vender muito mais. 


ND: Sim, se vocês adotassem outras estratégias pra lá de comprovadas, o crescimento seria mais rápido. E por consequência, o alcance em termos de venda é maior, e por consequência o faturamento também. 


MH: Hoje a gente é um pouco mais agressiva na comunicação. Antes a gente era zero, a gente era totalmente passiva, daí a gente meio que, não, peraí... É o equilíbrio. A gente quer chegar na pessoa certa. Esse que é o negócio. 


ND: Eu fico me perguntando bastante se a gente não tira proveito da maturidade, da idade, do caminho já caminhado, pra dizer “eu não quero". 


MH: Eu tenho certeza disso. E hoje que muitas dessas coisas são escolhas que eu falo, que não me interessa. E hoje eu tenho muita clareza disso.


ND: Obrigada. Eu te agradeço por tomar um tempo pra conversar comigo. Eu fico curiosa pra continuar acompanhando a Inhale, tanto em termos de comunicação, quanto em termos de marca, de empresa, de produto. E aí, óbvio, por consequência, a tua comunicação ao longo com isso. Vamos tirar umas fotos?



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